Maria Isabel Vianna Telles Velloso nasceu em Santo Amaro da Purificação, Bahia, no dia 14 de fevereiro de 1934, filha de José Telles Velloso e Claudionor Vianna Telles Velloso (Dona Canô e Seo Zeca).
Mabel sempre quis ser mãe e professora e o destino a favoreceu. Estudou no Colégio Nossa Senhora dos Humildes, em Santo Amaro. Depois foi à Bahia, na cidade do Salvador, para cursar o Ginásio no Colégio Santa Bernardete, e depois no Ginásio Itapagipe (hoje Colégio Florêncio Gomes). Formou-se Professora no Instituto Normal da Bahia, hoje Isaias Alves – ICEA, no ano de 1955. Lecionou por 20 anos e também dirigiu a Escola Dr. Araújo Pinho, em Santo Amaro da Purificação. Em Salvador lecionou nas Escolas Maria Amélia Santos (Pau da Lima) e José de Sá (Pupileira – Campo da Pólvora), onde se aposentou. Mas Dona Mabel não para…
Desde sempre dedica sua vida à educação, àqueles que vão aprender a ler pela primeira vez, e a todos os que, como eu, ao longo da vida precisam voltar para o aconchego dos bancos de uma boa escola.
Tive a felicidade de conhecê-la em Santo Amaro, e já no voo de volta para São Paulo senti o impacto de sua escrita em meu corpo, em meus olhos que derramavam lágrimas provocadas por Cartas de Dor Cartas de Alforria (Oiti, 2004). Lágrimas que ganhavam ali o adjetivo inventado por ela, que é filha da cana e do mel do Recôncavo da Bahia: “lágrimas doces”.
Anos mais tarde as histórias contadas nesse livro ganharam leitura de muitos artistas e de um ilustre da Academia de Letras, Antonio Cícero, na videoinstalação presente na mostra realizada no Oi Futuro Flamengo, no Rio de Janeiro, em 2018. Outra videoinstalação também abriga sua poesia no aconchego da Casa do Rio Vermelho, local encantado por seus moradores, os escritores Jorge Amado (1912-2001) e Zélia Gattai (1916-2008). Ali os poemas e textos são lidos por Mabel, na exposição realizada pelo designer Gringo Cardia.
Quando a conheci, Mabel já tinha mais de 20 livros publicados, e me encantei com Janelas. Em São Paulo procurei convencer um editor amigo a publicá-lo e quase tive sucesso. Aquele livro é uma jóia preciosa, uma pequena antologia proustiana de sua obra, que felizmente ganhou uma versão fílmica, um curta metragem dirigido por Pico Garcez (2006), que conta com lindos poemas musicados por Ana Flávia Mizziara e cantados por Belô Velloso.
Meu projeto de publicação de Janelas, que intencionava levar aquela obra rica a São Paulo, ao sul do país, acabou resultando anos mais tarde num convite por parte da editora para que eu organizasse uma antologia a partir de suas obras completas. Acolhi com amor a tarefa, desde que Mabel fosse minha professora, e corrigisse meus passos. E foi assim que, em parceria com Valéria Marchi, publiquei pela Intermeios, a convite do editor Joaquim Antonio Pereira Sobrinho, POESIA MABEL, em 2013.
https://redeintermeios.com/livros-intermeios/52-poesia-mabel-9788564586482.html
A recolha apresentada celebra trinta anos de produção literária reunindo os poemas e a prosa poética dos livros Pedras de Seixo (1980), Mato Verde Magia (1981), Gritos d´Estampados (1984), Trilhas (1985), Mulher nos cantos e na poesia, Poemas Endereçados (ambos de 1987), Muito prazer e Revelando (1998), Janelas (1990), Cem horas de poesia (1991), Terno (1995), Poemas de cor (1996), Poemas Grisalhos (1997), Candeias. Milagres e Romarias (2000), Donas (2003), Cartas de dor Cartas de alforria (2005) e O sal é um dom (2008), além de poemas e textos inéditos.
Mas a poesia de Dona Mabel, como ela sempre desejou, não ficou parada nos livros, encontrou caminho para ser cantada nas rodas, pelos alunos, e também por grandes vozes de nossa música popular brasileira. A primeira a gravá-la foi Maria Bethânia, no disco CICLO (Philips, 1983), com o poema Lua. É de Bethânia também a beleza criada com a Ladainha de Santo Amaro, presente no disco Cânticos, Preces e Súplicas à Senhora dos Jardins do Céu (Biscoito Fino, 2003). Outros poemas foram lindamente musicados e cantados por Belô Velloso e Paulo Costa, entre outros.
Dona Mabel não para e recentemente, mesmo com o impacto gerado pela pandemia, do alto da sabedoria dos seus 87 anos, bem vividos, a escritora reuniu forças e realizou uma videopalestra, a convite da Escola Livre de Artes, para as Oficinas Culturais do Estado de São Paulo, que pode ser vista em: https://www.youtube.com/watch?v=lREH8RNuXzM
Como poderão ver, sua voz suave conta como ensinou a tanta gente, dos miúdos à Universidade da Terceira Idade, sempre começando as aulas cantando a Suíte dos Pescadores daquele que é para mim a voz paterna do materno mar da Bahia, Dorival Caymmi (1914-2008):
Minha jangada vai sair pra mar,
Vou trabalhar, meu bem querer,
Se Deus quiser quando eu voltar do mar,
Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros também vão voltar,
E a Deus do céu vamos agradecer.
Quando estive com ela na sala de aula no Projeto Miúdos da Ladeira, no Pelourinho (Salvador, Bahia), em 2007, ouvi pela primeira vez a professora cantando com seus meninos, quase todos pretos. Cantei junto. Os nossos olhos brilhavam, estávamos no banco da sala de aula de uma professora maravilhosa. Quer coisa melhor nessa vida? A partir daquele momento sempre achei que fosse necessário cantar ou dizer um verso ao abrir as aulas com meus alunos, o que infelizmente nem sempre fiz. Mas sempre é tempo aprender, de tentar mais uma vez, pois os portais da sabedoria e do conhecimento estão sempre abertos. Fato é que o prumo que a voz dela cantando a canção de Caymmi deu à minha alma nunca mais deixou de me guiar. Ela é como um farol. FAROL (Caramurê, 2019. https://caramure.com.br/produtos/farol/) – é justamente esse o título do livro que ela escreveu em homenagem aos educadores.
Dona Mabel sempre que pode diz, e isso está lindamente registrado no filme documentário MABEL, de Margarida Mamede (2014): “[…] Se eu voltasse a estudar, ia estudar novamente para ser Professora e não faria curso de especialização, pós-graduação, nada disso. Eu queria ensinar a ler. (…) Ler e escrever”. Quando a gente aprende a ler tudo muda, e isso inclui o mundo, e as representações do mundo, as artes.
E foi assim que chegamos até aqui, até a Escola Livre de Artes, que como Dona Mabel quer ensinar o menino e a menina que moram dentro da gente a “ler” e a “escrever” vivenciando experiências na arte. Queremos andar juntes pelas praias catando as conchinhas que porventura tenhamos deixado esquecidas pelo caminho, pela pressa de nos tornarmos adultos… E depois devolvê-las ao grande mar, espalhando o respeito e o amor pelos seres humanos, pela natureza e pelos animais. Por essa razão escolhemos a imagem do barco para representar as temporadas de cursos de nossa Escola Livre de Artes, que navega no informar, levando professores e os aprendizes a novas paisagens a cada viagem.
Nas viagens que fazemos ao longo da vida as melhores coisas não são coisas, e isso é tudo o que importa, o trazemos à alma.
“Navegar é preciso, viver não é preciso” disseram Camões e Pessoa, e Caetano cantou. E por isso mesmo é sempre bom termos à mão uma bússola e um Farol para enfrentarmos a noite, na certeza de que o Sol não tardará a nascer outra vez no horizonte, para alegria de todes.
Érika Bodstein.
Agosto, 2021.
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