Contação de Histórias

Contar histórias é ofício antigo, vem de tempos imemoriais, da época em que os homens ainda não dominavam a fala e desenhavam nas paredes, dançavam, ou faziam gestos.
Contamos e ouvimos histórias nos mais diversos lugares desde que nascemos: sentados na porta de casa, no quintal debaixo das árvores, na praça com os amigos, no pátio da escola, na sala de aula.
O ato de ouvir e contar histórias está intrinsicamente ligado a convivência humana e ao viver comunitário. A Escola como espaço de aprendizagem e de convivência é um dos lugares em que as histórias nos são apresentadas. A maioria das crianças se encanta com a magia das histórias pela primeira vez ao ouvir sua professora ou a bibliotecária contando uma história saída dos livros. Quantos de nós ainda guardam dentro de si esse momento? O momento da história na sala de aula, o momento da ida à biblioteca escolar atrás do livro predileto para mais uma leitura, para mais um encontro encantador e íntimo com aquelas páginas, palavras e imagens. Guardamos esses momentos porque eram momentos especiais e significativos.

 

A contação de histórias é um instrumento poético pedagógico. Através dela, o ouvinte amplia vocabulário, cria empatia, amplia sua percepção de mundo e da vida. O momento da história é um momento de conexão. Conexão entre educador, educando e narrativa. Juntos criam uma atmosfera e embarcam no universo fantástico das literaturas.
Na Escola Livre de Artes (@ela.escolalivredeartes) amamos e acreditamos muito no poder transformador, agregador e curativo das histórias. Por isso, desde junho do ano passado iniciamos o Curso de Contação de Histórias – ao vivo e on-line, com preços acessíveis para todo mundo que quiser participar. A ELA – Escola Livre de Artes foi fundada por Erika Bodstein (@erika.bodstein), em companhia de professores parceiros, no início da Pandemia como uma rede de apoio e compartilhamento entre educadores, artistas e aqueles que amam e que precisam do contato com as artes em busca de experiências que façam bem e que ajudem na realização das transformações internas necessárias para que possam enfrentar esse momento tão difícil que a humanidade atravessa.

Mediado pelo educador, pesquisador e contador de histórias Alexandre Geisler (Mestre em Artes pela Universidade Federal da Bahia), o curso tem duas turmas ativas. A primeira turma vem desde o início e já esta entrando no Módulo V. Atualmente esses grupo prepara um espetáculo de contação de histórias on-line a partir do estudo da obra de Luis Câmara Cascudo sobre as Lendas Brasileiras. A segunda turma, iniciada em março deste ano, é formada exclusivamente de educadoras e educadores da educação básica. Com foco na contação de histórias voltada para sala de aula, o módulo II deste curso vai se aprofundar ainda mais no compartilhamento de técnicas, no relacionar-se com as telas e na preparação do educador-contador para a criação de uma atmosfera que favoreça uma imersão na experiência riquíssima que é a contação de histórias.

Sobre o professor: Alexandre Geisler (@vemquetemhistorias) é ator, professor e contador de histórias há mais de 10 anos. Faz parte do Pé de Causos @pedecausos – Trupe de Contadores. É Professor do Curso de Contação de Histórias da Escola Livre de Artes (@ela.escolalivredeartes) e mantém, desde de 2020, o canal Vem Que Tem Histórias no youtube, voltado para as histórias afro-brasileiras e da cultura popular.

Sobre o Curso Contando Histórias na Sala de Aula.

Carga horária: 8h/aula por Módulo on-line (8 encontros de 1h) + 1h/aula de tutoria por semana.

Preços: Contribuição consciente, com mínimo sugerido de R$ 190,00 (sobre o valor escolhido há 50% de desconto para professores da rede pública)

Inscrições abertas: https://escolalivredeartes.com.br/produto/contacao-de-historias/

Alexandre Geisler

Agosto, 2021.

Nossa jangada vai sair para o mar

O QUE APRENDEMOS COM DONA MABEL

 

Maria Isabel Vianna Telles Velloso nasceu em Santo Amaro da Purificação, Bahia, no dia 14 de fevereiro de 1934, filha de José Telles Velloso e Claudionor Vianna Telles Velloso (Dona Canô e Seo Zeca).

Mabel sempre quis ser mãe e professora e o destino a favoreceu. Estudou no Colégio Nossa Senhora dos Humildes, em Santo Amaro. Depois foi à Bahia, na cidade do Salvador, para cursar o Ginásio no Colégio Santa Bernardete, e depois no Ginásio Itapagipe (hoje Colégio Florêncio Gomes).  Formou-se Professora no Instituto Normal da Bahia, hoje Isaias Alves – ICEA, no ano de 1955. Lecionou por 20 anos e também dirigiu a Escola Dr. Araújo Pinho, em Santo Amaro da Purificação. Em Salvador lecionou nas Escolas Maria Amélia Santos (Pau da Lima) e José de Sá (Pupileira – Campo da Pólvora), onde se aposentou. Mas Dona Mabel não para…

Desde sempre dedica sua vida à educação, àqueles que vão aprender a ler pela primeira vez, e a todos os que, como eu, ao longo da vida precisam voltar para o aconchego dos bancos de uma boa escola.

Tive a felicidade de conhecê-la em Santo Amaro, e já no voo de volta para São Paulo senti o impacto de sua escrita em meu corpo, em meus olhos que derramavam lágrimas provocadas por Cartas de Dor Cartas de Alforria (Oiti, 2004). Lágrimas que ganhavam ali o adjetivo inventado por ela, que é filha da cana e do mel do Recôncavo da Bahia: “lágrimas doces”.

Anos mais tarde as histórias contadas nesse livro ganharam leitura de muitos artistas e de um ilustre da Academia de Letras, Antonio Cícero, na videoinstalação presente na mostra realizada no Oi Futuro Flamengo, no Rio de Janeiro, em 2018. Outra videoinstalação também abriga sua poesia no aconchego da Casa do Rio Vermelho, local encantado por seus moradores, os escritores Jorge Amado (1912-2001) e Zélia Gattai (1916-2008). Ali os poemas e textos são lidos por Mabel, na exposição realizada pelo designer Gringo Cardia.

Quando a conheci, Mabel já tinha mais de 20 livros publicados, e me encantei com Janelas. Em São Paulo procurei convencer um editor amigo a publicá-lo e quase tive sucesso. Aquele livro é uma jóia preciosa, uma pequena antologia proustiana de sua obra, que felizmente ganhou uma versão fílmica, um curta metragem dirigido por Pico Garcez (2006), que conta com lindos poemas musicados por Ana Flávia Mizziara e cantados por Belô Velloso.

Meu projeto de publicação de Janelas, que intencionava levar aquela obra rica a São Paulo, ao sul do país, acabou resultando anos mais tarde num convite por parte da editora para que eu organizasse uma antologia a partir de suas obras completas. Acolhi com amor a tarefa, desde que Mabel fosse minha professora, e corrigisse meus passos. E foi assim que, em parceria com Valéria Marchi, publiquei pela Intermeios, a convite do editor Joaquim Antonio Pereira Sobrinho, POESIA MABEL, em 2013.

https://redeintermeios.com/livros-intermeios/52-poesia-mabel-9788564586482.html

 

A recolha apresentada celebra trinta anos de produção literária reunindo os poemas e a prosa poética dos livros Pedras de Seixo (1980), Mato Verde Magia (1981), Gritos d´Estampados (1984), Trilhas (1985), Mulher nos cantos e na poesia, Poemas Endereçados (ambos de 1987), Muito prazer e Revelando (1998), Janelas (1990), Cem horas de poesia (1991), Terno (1995), Poemas de cor (1996), Poemas Grisalhos (1997), Candeias. Milagres e Romarias (2000), Donas (2003), Cartas de dor Cartas de alforria (2005) e O sal é um dom (2008), além de poemas e textos inéditos.

Mas a poesia de Dona Mabel, como ela sempre desejou, não ficou parada nos livros, encontrou caminho para ser cantada nas rodas, pelos alunos, e também por grandes vozes de nossa música popular brasileira. A primeira a gravá-la foi Maria Bethânia, no disco CICLO (Philips, 1983), com o poema Lua. É de Bethânia também a beleza criada com a Ladainha de Santo Amaro, presente no disco Cânticos, Preces e Súplicas à Senhora dos Jardins do Céu (Biscoito Fino, 2003). Outros poemas foram lindamente musicados e cantados por Belô Velloso e Paulo Costa, entre outros.

Dona Mabel não para e recentemente, mesmo com o impacto gerado pela pandemia, do alto da sabedoria dos seus 87 anos, bem vividos, a escritora reuniu forças e realizou uma videopalestra, a convite da Escola Livre de Artes, para as Oficinas Culturais do Estado de São Paulo, que pode ser vista em: https://www.youtube.com/watch?v=lREH8RNuXzM

Como poderão ver, sua voz suave conta como ensinou a tanta gente, dos miúdos à Universidade da Terceira Idade, sempre começando as aulas cantando a Suíte dos Pescadores daquele que é para mim a voz paterna do materno mar da Bahia, Dorival Caymmi (1914-2008):

 

Minha jangada vai sair pra mar,

Vou trabalhar, meu bem querer,

Se Deus quiser quando eu voltar do mar,

Um peixe bom eu vou trazer

Meus companheiros também vão voltar,

E a Deus do céu vamos agradecer.

 

Quando estive com ela na sala de aula no Projeto Miúdos da Ladeira, no Pelourinho (Salvador, Bahia), em 2007, ouvi pela primeira vez a professora cantando com seus meninos, quase todos pretos. Cantei junto. Os nossos olhos brilhavam, estávamos no banco da sala de aula de uma professora maravilhosa. Quer coisa melhor nessa vida? A partir daquele momento sempre achei que fosse necessário cantar ou dizer um verso ao abrir as aulas com meus alunos, o que infelizmente nem sempre fiz. Mas sempre é tempo aprender, de tentar mais uma vez, pois os portais da sabedoria e do conhecimento estão sempre abertos. Fato é que o prumo que a voz dela cantando a canção de Caymmi deu à minha alma nunca mais deixou de me guiar. Ela é como um farol. FAROL (Caramurê, 2019. https://caramure.com.br/produtos/farol/) – é justamente esse o título do livro que ela escreveu em homenagem aos educadores.

Dona Mabel sempre que pode diz, e isso está lindamente registrado no filme documentário MABEL, de Margarida Mamede (2014): “[…] Se eu voltasse a estudar, ia estudar novamente para ser Professora e não faria curso de especialização, pós-graduação, nada disso. Eu queria ensinar a ler. (…) Ler e escrever”. Quando a gente aprende a ler tudo muda, e isso inclui o mundo, e as representações do mundo, as artes.

E foi assim que chegamos até aqui, até a Escola Livre de Artes, que como Dona Mabel quer ensinar o menino e a menina que moram dentro da gente a “ler” e a “escrever” vivenciando experiências na arte. Queremos andar juntes pelas praias catando as conchinhas que porventura tenhamos deixado esquecidas pelo caminho, pela pressa de nos tornarmos adultos… E depois devolvê-las ao grande mar, espalhando o respeito e o amor pelos seres humanos, pela natureza e pelos animais. Por essa razão escolhemos a imagem do barco para representar as temporadas de cursos de nossa Escola Livre de Artes, que navega no informar, levando professores e os aprendizes a novas paisagens a cada viagem.

Nas viagens que fazemos ao longo da vida as melhores coisas não são coisas, e isso é tudo o que importa, o trazemos à alma.

“Navegar é preciso, viver não é preciso” disseram Camões e Pessoa, e Caetano cantou. E por isso mesmo é sempre bom termos à mão uma bússola e um Farol para enfrentarmos a noite, na certeza de que o Sol não tardará a nascer outra vez no horizonte, para alegria de todes.

 

Érika Bodstein.

Agosto, 2021.

Escrita Literária

CHEIA, um livro de Natália Zuccala

Se fosse possível remontar minha trajetória no mundo artístico, com certeza um dos pontos mais especiais, profundos e marcantes seriam as aulas de teatro na adolescência com Erika Bodstein e Valéria Marchi. No momento em que eu as conheci, achei também a minha turma. Queria morar – e talvez more -, no universo que elas habitavam: a criação artística. Não à toa, estrear na ELA com um curso sobre a escrita será um acontecimento muito especial para mim. Espero que possa ser também para meus alunos!

De atriz que escrevia escondida, na adolescência, passei à dramaturga, na juventude; em seguida, abri o campo para os contos, depois para o romance e até para a poesia. Na literatura, a inquietude que move meu trabalho parece remontar a um desejo de investigação criativa que eu aprendi no teatro. Um desejo de me enfiar nos meandros da realidade, de reagir ativamente a ela. Ainda são, e talvez sejam sempre, as vozes da Valéria e da Erika as que me estimulam a criar, a arriscar, a expandir os limites do conhecido, ao mesmo tempo em que me acolhem e me fazem sentir no lugar certo. Obrigada.

Hoje, tenho dois livros em prosa publicados. O primeiro deles, que saiu em 2017 pela Editora Patuá, chama-se “Todo mundo quer ver o morto” e trata-se de uma antologia de contos. O segundo, lançado há menos de um mês, é meu primeiro romance. Intitulado “Cheia”, ele doi publicado pela Urutau, pode ser adquirido no site da editora (https://editoraurutau.com/titulo/cheia).

Para falar mais sobre ele, prefiro passar a palavra para Carola Saavedra, que escreveu a seguinte orelha:

            Uma mulher chega a um restaurante com o marido, mas esquece que está com ele e pede mesa para um. O garçom a olha desconcertado, sem saber como agir. Mas logo em seguida, ao sentir a mão sobre o seu ombro, a memória volta a surgir; o marido, claro, está lá, esteve o tempo todo. Como ela pode esquecer? Assim começa Cheia, primeiro romance de Natália Zuccala, que nos puxa para dentro da história com a segurança de quem vai muito além da técnica. Porque Natália escreve a contrapelo, feito abismo, feito vórtice.

            A memória de Amanda, a protagonista, se assemelha a um bordado intermitente, linhas que não fecham, palavras que se desfazem antes mesmo de emergir. E ela observa o mundo à sua volta como um detetive que investiga uma realidade incompreensível. A narrativa acompanha essa desagregação. Frases pela metade, pensamentos que não se realizam, algo que insiste. Porque, por trás da desmemória, há algo que precisa não ser dito, algo do âmbito do horror. E de repente, percebemos que Amanda é Amanda, mas também é todas as mulheres, e também somos nós. Não há saída além de acompanhar a personagem nesse mergulho, mesmo que intuamos que, do lado de lá, talvez não haja nada, só o horizonte infinito do silêncio.

Entre um livro e outro, uma pandemia que me levou a escrever uma série de contos sobre e em quarentena, publicados no site “Agora estou aqui” (www.agoraestouaqui.com). Como aprendi nas aulas de teatro, a arte é uma forma potente de se relacionar com o mundo. É inevitável que sejamos afetados pelo que ocorre ao nosso entorno, claro. Porém, com que instrumentos vamos lidar com aquilo que nos circunda? Como digerimos a realidade e de que forma atuamos nela? A literatura tem me permitido pensar sobre isso de uma maneira não apenas profunda, mas principalmente criativa, propositiva.

Nesse universo nasce o curso “Escrever aqui e agora”, que será ministrado na ELA no mês de setembro, do dia 09 ao 30, às quintas-feiras, das 19h00 às 21h00. Os alunos serão convidados a pensar e escrever literatura em fricção com a realidade. Para isso, não é preciso ter nenhum tipo de experiência prévia, apenas o desejo de estar ali. Para ler mais sobre a proposta, acesse o link https://escolalivredeartes.com.br/produto/escrita-literaria/

Que seja sempre possível retornar ao lugar de onde nunca saímos.

Evoé!

Natália Zuccala

Agosto, 2021