Origens de Chaplin e do cinema se confundem

Os primeiros anos da existência do cinema e da vida de Charles Chaplin são como duas linhas que partem do mesmo ponto, correm em paralelo e a certa altura se reencontram fortalecendo-se mutuamente.

1889, ano em que Chaplin nasceu em Londres, marca as primeiras experiências de Thomas Edison, inventor do kinetoscópio, um pioneiro mecanismo de registrar e exibir imagens em movimento. O aparelho é considerado um dos predecessores do cinematógrafo, máquina de captura e projeção inventada pelos irmãos franceses Auguste e Louis Lumière, meia década depois.

De modo semelhante ao que ocorre com o cinema em seus primeiros anos de vida, a carreira de Chaplin começa no “vaudeville”, forma de entretenimento popular em que se sucedem variedades, números de canto, dança e atuação e “atrações”, termo que abrange desde truques de mágicos até projeções de filmes curtinhos.

Charles e Hannah, pais de Chaplin, pertenciam ao universo teatral de Londres. Ele era um cantor de certo prestígio, ela aspirante a atriz e cantora. A carreira nômade, associada ao alcoolismo, afastou o pai de casa, enquanto a mãe improvisava como costureira para mal manter Charlie e seu irmão quatro anos mais velho, Sydney.

As dificuldades, no entanto, agravaram-se e abalaram a saúde de Hannah. Uma noite, Charlie assistiu a mãe, no palco, ser vaiada quando a voz, já fraca, sumiu enquanto ela se apresentava. Assustado, o garoto, com apenas cinco anos, estreou involuntariamente no mundo artístico – e apaziguou o público – cantando uma canção que sabia de cor de tanto ver Hannah apresentá-la nos palcos dos “music hall” espalhados pela cidade.

Seus primeiros trabalhos profissionais também aconteceram numa fase precoce, mas menos por acaso. Ele tinha somente 14 anos quando se apresentou como ator numa famosa agência de teatro londrina, conseguindo um papel de pajem na peça “Sherlock Holmes”. Após três anos em turnê, Chaplin retornou a Londres, onde  reencontrou Sydney trabalhando na trupe de Fred Karno, um dos mais prósperos empresários britânicos de pantomima, comédias de ação física, sem diálogos.

Em 1908, Karno testou Charlie em cena. Improvisando, o jovem arrancou risadas da plateia e obteve um contrato de dois anos. Na companhia de Fred Karno, ele pôde desenvolver seus talentos para a pantomima, aprimorou as habilidades para o improviso e aprendeu recursos burlescos tais como dar saltos e cair sem se machucar.

Foi também como integrante dessa companhia que Chaplin conheceu os Estados Unidos, participando de uma turnê que cruzou o país entre 1910 e 1912. No final deste ano, suas habilidades e sua presença cênica chamaram a atenção do produtor Mack Sennett, que buscava novos talentos para integrar o elenco da produtora Keystone, especializada em comédias “slapstick”.

A Keystone se instalara havia pouco na Califórnia, numa região espaçosa, luminosa e pouco habitada chamada Hollywood. Ali, começava a tomar forma a aventura do cinema como o maior meio de entretenimento da primeira metade do século 20.

Ao desistir do teatro e assinar um contrato de um ano com a Keystone em setembro de 1913, Chaplin ainda foi movido só por impulso financeiro. Em menos tempo do que se podia imaginar, o fascínio do cinema sobre as massas o transformou no artista mais célebre, adorado e rico da história do espetáculo.

                                                                            

Cássio Starling Carlos

Crítico de cinema


 
 
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Eis que o Cristal se parte

Em primeiro lugar, quero dizer que não sou estudiosa da vida de nenhum dos Doces Bárbaros. Apenas e simplesmente, tenho o privilégio e de estar com eles, de ser contemporânea deles nestes tempos de vida por aqui.

Sobre a doce bárbara que acabou de nos deixar, tenho maravilhosas lembranças. Lá pelos anos 1970/1980, era uma fiel seguidora de Elis Regina, de seu belo canto, de sua voz maravilhosa. Queria ser uma mulher como ela. Sair pelo mundo, desfraldar bandeiras.

Andava por volta dos meus trinta anos, quando surge um furacão. Uma baiana cheia de atitudes, num mundinho careta, que vivia sob a opressão do militarismo. À frente do seu tempo – Gal ousou a liberdade, nos cabelos, no vestir, na voz. Sim, na voz, correndo pelo palco e aos gritos, ela se manifestou por toda uma geração, a minha geração que tinha um grito entalado na garganta, com o Divino Maravilhoso de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Aquilo era uma libertação, num momento em que as vozes eram contidas. Eram vozes bossanovistas. A voz de Gal afinada juntou-se aos agudos agressivos ao estilo Janis Joplin. Nascia um novo tipo de mulher, talvez o pontapé para o que somos hoje. Feito Vaca Profana, mostrou os peitos pedindo para o Brasil mostrar a cara. Pra que mais empoderamento? Essas meninas que aí estão, do funk ao sertanejo, têm muito a agradecer à doce bárbara baby profana Gal. Poverinas!

Não tenho absoluta certeza, mas lembro de estar em Fortaleza, no Ginásio Paulo Sarasete , entre 1971/1972, se a memória não me engana, eu, menina distante do eixo Rio-São Paulo, onde tudo acontecia, meio carcará, querendo pegar, matar e comer, levo um susto danado. Vejo Gal Fa-tal. Violão sustentado entre as pernas abertas, voz rascante, uma mulher deslumbrante. Meu coração parecia um tambor, meu cérebro tentava entender o que estava acontecendo. Não estava preparada para ver aquilo. O ginásio tremia. As pessoas enlouqueciam. Tentavam subir no palco. Uma verdadeira comoção.

                                                                            

Sobre o início

Nós por exemplo é o princípio de tudo – um encontro de artistas que viriam a se consolidar no cenário musical brasileiro. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal (ainda Maria da Graça), Tom Zé sob a direção de Álvaro Guimarães, o Alvinho, que tive o prazer de receber em minha casa, na Martinho Prado, em Sampa.

Tudo aconteceu no palco do teatro Vila Velha, em 22 de agosto de 1964. A intenção era apresentar jovens compositores, cantores e instrumentistas que pretendiam renovar a música popular brasileira. Uma prova de que tudo isso era, mesmo, uma revolução é que no dia seguinte, era o assunto das conversas nas faculdades e bares da cidade.

Sol Negro, uma canção, um lamento, composto por Caetano para as vozes contrastantes de Bethânia e Gal, foi o ponto alto.

Na minha voz trago a noite e o mar
O canto é a luz de um sol negro e dor
É o amor que morreu na noite do mar

(Virgínia Rodrigues fez uma interpretação divina de Sol Negro. Viva Caetano, um ser milhões de anos luz à frente de seu tempo.)

Uma espécie de Semana da Arte Moderna Musical. Talvez, nem eles tivessem consciência, mas o País ganhava tons e cores que viriam transformar tudo o que consumíamos. E o movimento tropicalista transformou, incomodou e nos deu o que ainda hoje é moderno, mesmo que muita gente pense que está inovando. Não, não.

Gal é a voz da contracultura desde 1969, quando são exilados Caetano e Gil, em Londres. Depois de tudo isso, só nos resta amenizar a dor desta perda com o que nos foi legado nas muitas mídias – o Cristal que nos foi presenteado durante todo o percurso de Gal – a Fatal, A Vaca Profana, A Baby, a Voz que reluziu e reluz na nossa MPB.

Mazeh Moreira

Jornalista


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