Nossa ferida em relação ao dinheiro

Vivemos normalmente inconscientes e aprisionados na nossa relação com o dinheiro, possuímos crenças bem limitantes em relação a riqueza e a economia. Formamos um conjunto de crenças que podem nos levar a acreditar que felicidade e dinheiro são excludentes, assim como riqueza e honestidade, ou dinheiro e espiritualidade. Fomos acostumados a perceber a nossa vida econômica de forma desintegrada da vida como um todo. Vivemos hoje no mundo uma crise econômica ainda não resolvida, nem em suas verdadeiras causas e nem mesmo nos seus efeitos para a própria economia, ecologia, para a vida social e cultural. E quanto mais aprofundamos neste problema, maior e mais profundo ele parece. Será que existe uma saída?

          Vamos olhar este assunto do dinheiro mais de perto, a partir das lentes da nossa própria vida. Existem dois aspectos essenciais quando o assunto é o dinheiro em nossas vidas. O primeiro refere-se aos assuntos concretos e cotidianos das nossas finanças, a nossa conta corrente, contas à pagar, valores à receber, dividas etc. O segundo aspecto trata do lado psicológico e emocional da nossa relação com o dinheiro, do papel e significado que o dinheiro tem em nossa história e na nossa vida.

“ESTE PAPEL FUNDAMENTAL QUE O DINHEIRO TEM NA VIDA CONTEMPORÂNEA AINDA É POUCO EXPLORADO E COMPREENDIDO. PENSE NO SEGUINTE:  QUANTAS VEZES POR DIA VOCÊ PENSA NO “DINHEIRO” , NA SUA VIDA FINANCEIRA, TALVEZ PREOCUPAÇÕES, ALGO QUE CONQUISTOU E LHE TROUXE ALEGRIA E SATISFAÇÃO, COISAS QUE GOSTARIA DE TER OU FAZER E QUE AINDA NÃO PODE, UMA PESSOA QUE GOSTARIA DE AJUDAR, ENFIM, QUANDO O ASSUNTO É DINHEIRO AS POSSIBILIDADES PARECEM INFINITAS NO QUE SE REFERE ÀS NOSSAS NECESSIDADES, DESEJOS E VONTADES. ”

           Conversamos também bastante sobre o dinheiro, especialmente quando se trata dele fora de nós, na vida alheia, o dinheiro no governo, nos indignamos com a corrupção e as injustiças. Falamos também sobre o dinheiro do outro, sobre a ganância e mesquinhez alheias. E quantas vezes pensamos sobre a nossa relação com o dinheiro? Você já pensou sobre isto? Já refletiu sobre o verdadeiro papel do dinheiro na sua história de vida? Já pensou em qual é o modelo de lidar com o dinheiro que seus pais tinham? E o modelo, a lógica que você usa para tomar decisões econômicas na sua vida? Toda a nossa história, da nossa família, dos nossos pais e de toda a humanidade nos últimos milênios está intimamente ligada a este elemento, o dinheiro, que ora é tão desejado e ora até odiado. Quanto de alegrias, conflitos, guerras, privações, obras sociais, abundância, frustrações e sonhos ocorrem ou deixam de ocorrer através dele.  Algumas vezes tive a grata oportunidade de ajudar famílias, casais e empresas a lidar com diversas situações de conflitos em relação ao dinheiro. Estes conflitos costumam “sangrar” no sentido metafórico e até mesmo literal da palavra. Aprendi a perceber que quando tocamos neste tema, tocamos em uma dor, profunda. No início é comum muitos pensarem que o dinheiro é a causa destes conflitos, como se o dinheiro tivesse uma vida e vontade próprias ou ainda trouxesse ou contivesse o mal em si.

“ATRAVÉS DE UM PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO PERCEBEMOS QUE ESTES CONFL ITOS QUE PASSAMOS ATRAVÉS DAS NOSSAS QUESTÕES COM O DINHEIRO NA REAL IDADE REVELAM ALGO MAIS PROFUNDO SOBRE NÓS MESMOS E SOBRE NOSSAS RELAÇÕES COM AS PESSOAS.”

            Quem nunca se alterou ou se estressou com assuntos econômicos? Quem nunca teve conflitos internos ou com outras pessoas devido questões financeiras? Por que será que isto ocorre? Por que será que muitas vezes nem mesmo os casais e famílias costumam conversar abertamente sobre suas finanças e a vida econômica? Por que para muitos este é um assunto estressante e até dolorido? Estudos revelam que a causa central de 70% das separações conjugais está relacionada com questões financeiras. É como uma ferida que carregamos em nossa alma, uma ferida psicológica, nossa e de toda a humanidade. Esta ferida é alimentada através de três crenças fundamentais ocultas: “Não há suficiente; Mais é melhor; Você não tem escolha!”.

            Estas crenças geram em nós um sentimento frequente de medo da falta, ganância e de impotência. Nos vemos muitas vezes aprisionados, como se nossas decisões tivessem que estar sempre presas às questões econômicas. Esta ferida pode e já está sendo curada, através do desenvolvimento de uma nova relação nossa com o dinheiro. Onde reconhecemos o dinheiro como um facilitador de nossos sonhos, desejos e projetos. Ele não é bom, nem mal.  O dinheiro é.  Imagine, neste momento, o globo terrestre com seus sete bilhões de pessoas. Imagine todo o dinheiro que está circulando no planeta neste momento. Girando, gerando, criando, obstruindo e permitindo uma série de ideias, intenções e vontades. É uma energia extremamente poderosa e criativa.

“PRECISAMOS APRENDER A CONHECER, L IDAR E DOMINAR ESTA FORÇA, ESTA PODEROSA ENERGIA EM NOSSAS VIDAS. ESTE É UM CAMINHO MODERNO DE CONSCIÊNCIA, UM PROCESSO RICO E SIMULTÂNEO DE AUTOCONHECIMENTO, CONHECIMENTO DO MUNDO E DAS PESSOAS AO NOSSO REDOR. É UM PROCESSO DE CURA DESTA FERIDA EM NÓS, EM NOSSOS PRÓXIMOS E EM TODA A HUMANIDADE.”

Rodrigo Ventre

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INSTITUTO ECONOMIA VIVA COPYLEFT © 2017
COPYLEFT © 2017 TEXTO DE AUTORIA DE RODRIGO VENTRE
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ELISA ALKMIM

O LIDAR CONSCIENTE COM O DINHEIRO, O TRABALHO E A VIDA

INÍCIO: 24 de outubro

9 ENCONTROS – QUARTAS-FEIRAS +

MENTORIAS INDIVIDUAIS

Preços: Contribuição consciente

Mais informações:

https://escolalivredeartes.com.br/produto/o-lidar-consciente-com-o-dinheiro-o-trabalho-e-a-vida/

 

 
 
 

Jane Austen

Depois de Shakespeare, Jane Austen; se há alguma verdade universalmente reconhecida, é esta.

 

A amplitude dessa verdade, confesso, me assusta. Não apenas acadêmicos e leigos, homens e mulheres, adolescentes e crianças[1], puristas e fãs de filmes e séries de época que jamais abriram um dos livros; também supremacistas brancos que elegeram Austen como um exemplo de feminilidade, e também as sufragistas que carregaram cartazes com o nome da autora como exemplo de mulher revolucionária.

 

Jane Austen é tudo, para todos. Entretanto, no ano 2022, a Internet coletivamente parece concordar sobre um único assunto: a nova adaptação de Persuasion (Netflix) é ofensivamente terrível, horrorosa, um insulto aos milhares de fãs, Jane Austen está se revirando em seu túmulo!

 

Como fã e pessoa curiosa, fiquei intrigada. Esse discurso sobre o corpo reanimado de Austen retorcendo-se não é novo – foi a piada mais contada de 2009, quando foi lançado o livro Orgulho e Preconceito e Zumbis, e de novo em 2016, quando o filme de mesmo nome saiu. A Internet parece adorar um pânico moral e tem pretensões heroicas de defender a honra da autora.

 

Apesar de tanto pânico, tanto heroísmo, e apesar de morta há mais de 200 anos, Jane Austen permanece muito viva, e muito bem, obrigada, até hoje, e possivelmente sempre. Não faltam produções artísticas baseadas em sua obra – filmes, séries de televisão, streaming, séries online, livros, textos online, memes etc. Mais do que apenas reproduzir
histórias, personagens e temas, essas produções artísticas são o sangue vital que mantém vivo o interesse em Austen. Uma anedota exemplar, se me permitem:

 

Em 2019 ingressei como professora de inglês na rede municipal de minha cidade, no interior de São Paulo – 130mil habitantes em 150mil km2 e zero livrarias; a country village, um ambiente de fofoca, classes sociais demarcadas e falta de sensibilidade, com algumas pérolas perdidas por aí. (Soa familiar, leitores de Austen?) Este ano tive a seguinte conversa com uma aluna de 7º ano:

 

L.:    Professora, você assistiu Persuasion?

Eu:  Claro. O que você achou?

L.:   Gostei muito. É super divertido.

Eu:  Sabia que tem um livro também? (que é lindo, mas não sei se “divertido” é uma palavra que eu usaria para descrevê-lo)

L.:   Ah, eu achei mesmo com cara de fanfic.

 

Estonteei. Isso mesmo, L., isso mesmo – tem “cara de fanfic” porque é um fanfic, e um genialíssimo. O início do filme traz o título e o seguinte subtítulo: “Baseado na obra de Jane Austen”, e acho que, depois de assistir o filme várias vezes, “a obra” não se refere somente ao Persuasion publicado postumamente em 1818.

 

Quando pensamos na voz autoral de Austen, em quem estamos pensando? A biógrafa Claire Tomalin (1999:254)
nota que Walter Scott talvez tenha sido o primeiro a confundir o discurso indireto livre tão bem trabalhado por uma autora profissional com a voz de suas protagonistas de 20 anos. O estilo de Austen que reconhecemos mais
distintamente é jovem, animado, irônico, perspicaz – é o estilo de Elinor em Razão e Sensibilidade (1811), Elizabeth em Orgulho e Preconceito (1813) e de Emma em Emma (1815), mas certamente não é a voz romântica e cheia de arrependimentos de Anne Eliot em Persuasion (1818). O que o filme de 2022 faz que tanto ofendeu legiões de fãs dos livros é adotar a voz de outros romances de Austen para recontar seu último romance – uma liberdade de uso do material adaptado muito pouco comum em “adaptações”, mas muito comum em na prática de fanfiction.

 

Para quem nunca teve a felicidade de passar noites em claro em um certo site popularmente chamado de
AO3, fanfiction é uma obra transformativa feita por fãs e para fãs, e é uma prática tão antiga quanto continuar a história da Chapeuzinho Vermelho porque sua sobrinha ainda não caiu no sono e você precisa enrolar mais 15 minutos. Há um ponto de contenção aqui – primeiro porque o próprio AO3[2] reconhece fanfiction como texto escrito, e segundo porque Persuasion (2022) reconta o romance original de Austen, a maioria dos pontos da trama estão presentes. Por que um fanfic e não uma adaptação?

 

Adaptação é outra prática mais antiga que mudar o final de Chapeuzinho porque seu sobrinho começou a chorar de dó do lobo, ou de fazer um teatro de fantoches da história até então transmitida oralmente, ou uma peça teatral de um romance, ou uma série em streaming de uma HQ etc. Esse reconhecimento ou relação entre adaptação e obra adaptada, escreve Linda Hutcheon (2006) ao longo de seu livro A theory of adaptation, é parte do prazer que temos em uma adaptação. Há um contrato social/artístico entre a obra e o público já conhecedor da obra adaptada, uma negociação constante entre ater-se à obra adaptada – fidelidade, o zumbi de guarda que se revira no túmulo quando esta falta – e o criar sobre ela. Fanfics, por outro lado, rasgam esse contrato em favor de uma relação mais direta com o público – alguém mais acha Anne Eliot muito quadrada? (Eu!) Por que não a mostrar reagindo a sua perda como alguém de nossos dias, com garrafas de vinho e chorando no banho? (Ótima ideia!)

 

As distinções não são sempre claras, ou precisas, ou ponto pacífico entre estudiosos, fãs e/ou artistas. Se um filme pode ser fanfic, o que dizer de livros publicados tradicionalmente como Longbourn (2013), de Jo Baker, que usam a trama e personagens de Austen, mas do ponto de vista dos empregados? Ou de criações transformativas como o vlog The Lizzie Bennet Diaries? O filme Orgulho Preconceito e Zumbis (2016) traz mais referências à outras adaptações de Orgulho e Preconceito e ao próprio romance do que o livro de Seth Grahame-Smith; seria um fanfic do universo cinemático Jane Austen, ou uma adaptação do livro Orgulho, Preconceito e Zumbis (2009)?

 

O mais importante – e o que quero discutir no curso Orgulho e Preconceito: Adaptação e Fanfiction – a resposta dessas perguntas muda a sua apreciação por cada obra?

 

Isabela Sabbatini.

Agosto, 2022.


[1] Minha adaptação preferida em forma de livro é “Lizzy Bennet’s Diary”, de
Marcia Williams,

[2] Disponível em: <https://archiveofourown.org/faq/about-the-archive?language_id=en>

ISABELA SABBATINI

ADAPTAÇÃO E FANFICTION: ORGULHO E PRECONCEITO

INÍCIO: 17 DE AGOSTO

6 ENCONTROS – QUARTAS-FEIRAS, DAS 19H às 20h20

Preços: Contribuição consciente

Mais informações

https://escolalivredeartes.com.br/produto/orgulho-e-preconceito/

 
 
 
 

Contação de Histórias

Contar histórias é ofício antigo, vem de tempos imemoriais, da época em que os homens ainda não dominavam a fala e desenhavam nas paredes, dançavam, ou faziam gestos.
Contamos e ouvimos histórias nos mais diversos lugares desde que nascemos: sentados na porta de casa, no quintal debaixo das árvores, na praça com os amigos, no pátio da escola, na sala de aula.
O ato de ouvir e contar histórias está intrinsicamente ligado a convivência humana e ao viver comunitário. A Escola como espaço de aprendizagem e de convivência é um dos lugares em que as histórias nos são apresentadas. A maioria das crianças se encanta com a magia das histórias pela primeira vez ao ouvir sua professora ou a bibliotecária contando uma história saída dos livros. Quantos de nós ainda guardam dentro de si esse momento? O momento da história na sala de aula, o momento da ida à biblioteca escolar atrás do livro predileto para mais uma leitura, para mais um encontro encantador e íntimo com aquelas páginas, palavras e imagens. Guardamos esses momentos porque eram momentos especiais e significativos.

 

A contação de histórias é um instrumento poético pedagógico. Através dela, o ouvinte amplia vocabulário, cria empatia, amplia sua percepção de mundo e da vida. O momento da história é um momento de conexão. Conexão entre educador, educando e narrativa. Juntos criam uma atmosfera e embarcam no universo fantástico das literaturas.
Na Escola Livre de Artes (@ela.escolalivredeartes) amamos e acreditamos muito no poder transformador, agregador e curativo das histórias. Por isso, desde junho do ano passado iniciamos o Curso de Contação de Histórias – ao vivo e on-line, com preços acessíveis para todo mundo que quiser participar. A ELA – Escola Livre de Artes foi fundada por Erika Bodstein (@erika.bodstein), em companhia de professores parceiros, no início da Pandemia como uma rede de apoio e compartilhamento entre educadores, artistas e aqueles que amam e que precisam do contato com as artes em busca de experiências que façam bem e que ajudem na realização das transformações internas necessárias para que possam enfrentar esse momento tão difícil que a humanidade atravessa.

Mediado pelo educador, pesquisador e contador de histórias Alexandre Geisler (Mestre em Artes pela Universidade Federal da Bahia), o curso tem duas turmas ativas. A primeira turma vem desde o início e já esta entrando no Módulo V. Atualmente esses grupo prepara um espetáculo de contação de histórias on-line a partir do estudo da obra de Luis Câmara Cascudo sobre as Lendas Brasileiras. A segunda turma, iniciada em março deste ano, é formada exclusivamente de educadoras e educadores da educação básica. Com foco na contação de histórias voltada para sala de aula, o módulo II deste curso vai se aprofundar ainda mais no compartilhamento de técnicas, no relacionar-se com as telas e na preparação do educador-contador para a criação de uma atmosfera que favoreça uma imersão na experiência riquíssima que é a contação de histórias.

Sobre o professor: Alexandre Geisler (@vemquetemhistorias) é ator, professor e contador de histórias há mais de 10 anos. Faz parte do Pé de Causos @pedecausos – Trupe de Contadores. É Professor do Curso de Contação de Histórias da Escola Livre de Artes (@ela.escolalivredeartes) e mantém, desde de 2020, o canal Vem Que Tem Histórias no youtube, voltado para as histórias afro-brasileiras e da cultura popular.

Sobre o Curso Contando Histórias na Sala de Aula.

Carga horária: 8h/aula por Módulo on-line (8 encontros de 1h) + 1h/aula de tutoria por semana.

Preços: Contribuição consciente, com mínimo sugerido de R$ 190,00 (sobre o valor escolhido há 50% de desconto para professores da rede pública)

Inscrições abertas: https://escolalivredeartes.com.br/produto/contacao-de-historias/

Alexandre Geisler

Agosto, 2021.

Nossa jangada vai sair para o mar

O QUE APRENDEMOS COM DONA MABEL

 

Maria Isabel Vianna Telles Velloso nasceu em Santo Amaro da Purificação, Bahia, no dia 14 de fevereiro de 1934, filha de José Telles Velloso e Claudionor Vianna Telles Velloso (Dona Canô e Seo Zeca).

Mabel sempre quis ser mãe e professora e o destino a favoreceu. Estudou no Colégio Nossa Senhora dos Humildes, em Santo Amaro. Depois foi à Bahia, na cidade do Salvador, para cursar o Ginásio no Colégio Santa Bernardete, e depois no Ginásio Itapagipe (hoje Colégio Florêncio Gomes).  Formou-se Professora no Instituto Normal da Bahia, hoje Isaias Alves – ICEA, no ano de 1955. Lecionou por 20 anos e também dirigiu a Escola Dr. Araújo Pinho, em Santo Amaro da Purificação. Em Salvador lecionou nas Escolas Maria Amélia Santos (Pau da Lima) e José de Sá (Pupileira – Campo da Pólvora), onde se aposentou. Mas Dona Mabel não para…

Desde sempre dedica sua vida à educação, àqueles que vão aprender a ler pela primeira vez, e a todos os que, como eu, ao longo da vida precisam voltar para o aconchego dos bancos de uma boa escola.

Tive a felicidade de conhecê-la em Santo Amaro, e já no voo de volta para São Paulo senti o impacto de sua escrita em meu corpo, em meus olhos que derramavam lágrimas provocadas por Cartas de Dor Cartas de Alforria (Oiti, 2004). Lágrimas que ganhavam ali o adjetivo inventado por ela, que é filha da cana e do mel do Recôncavo da Bahia: “lágrimas doces”.

Anos mais tarde as histórias contadas nesse livro ganharam leitura de muitos artistas e de um ilustre da Academia de Letras, Antonio Cícero, na videoinstalação presente na mostra realizada no Oi Futuro Flamengo, no Rio de Janeiro, em 2018. Outra videoinstalação também abriga sua poesia no aconchego da Casa do Rio Vermelho, local encantado por seus moradores, os escritores Jorge Amado (1912-2001) e Zélia Gattai (1916-2008). Ali os poemas e textos são lidos por Mabel, na exposição realizada pelo designer Gringo Cardia.

Quando a conheci, Mabel já tinha mais de 20 livros publicados, e me encantei com Janelas. Em São Paulo procurei convencer um editor amigo a publicá-lo e quase tive sucesso. Aquele livro é uma jóia preciosa, uma pequena antologia proustiana de sua obra, que felizmente ganhou uma versão fílmica, um curta metragem dirigido por Pico Garcez (2006), que conta com lindos poemas musicados por Ana Flávia Mizziara e cantados por Belô Velloso.

Meu projeto de publicação de Janelas, que intencionava levar aquela obra rica a São Paulo, ao sul do país, acabou resultando anos mais tarde num convite por parte da editora para que eu organizasse uma antologia a partir de suas obras completas. Acolhi com amor a tarefa, desde que Mabel fosse minha professora, e corrigisse meus passos. E foi assim que, em parceria com Valéria Marchi, publiquei pela Intermeios, a convite do editor Joaquim Antonio Pereira Sobrinho, POESIA MABEL, em 2013.

https://redeintermeios.com/livros-intermeios/52-poesia-mabel-9788564586482.html

 

A recolha apresentada celebra trinta anos de produção literária reunindo os poemas e a prosa poética dos livros Pedras de Seixo (1980), Mato Verde Magia (1981), Gritos d´Estampados (1984), Trilhas (1985), Mulher nos cantos e na poesia, Poemas Endereçados (ambos de 1987), Muito prazer e Revelando (1998), Janelas (1990), Cem horas de poesia (1991), Terno (1995), Poemas de cor (1996), Poemas Grisalhos (1997), Candeias. Milagres e Romarias (2000), Donas (2003), Cartas de dor Cartas de alforria (2005) e O sal é um dom (2008), além de poemas e textos inéditos.

Mas a poesia de Dona Mabel, como ela sempre desejou, não ficou parada nos livros, encontrou caminho para ser cantada nas rodas, pelos alunos, e também por grandes vozes de nossa música popular brasileira. A primeira a gravá-la foi Maria Bethânia, no disco CICLO (Philips, 1983), com o poema Lua. É de Bethânia também a beleza criada com a Ladainha de Santo Amaro, presente no disco Cânticos, Preces e Súplicas à Senhora dos Jardins do Céu (Biscoito Fino, 2003). Outros poemas foram lindamente musicados e cantados por Belô Velloso e Paulo Costa, entre outros.

Dona Mabel não para e recentemente, mesmo com o impacto gerado pela pandemia, do alto da sabedoria dos seus 87 anos, bem vividos, a escritora reuniu forças e realizou uma videopalestra, a convite da Escola Livre de Artes, para as Oficinas Culturais do Estado de São Paulo, que pode ser vista em: https://www.youtube.com/watch?v=lREH8RNuXzM

Como poderão ver, sua voz suave conta como ensinou a tanta gente, dos miúdos à Universidade da Terceira Idade, sempre começando as aulas cantando a Suíte dos Pescadores daquele que é para mim a voz paterna do materno mar da Bahia, Dorival Caymmi (1914-2008):

 

Minha jangada vai sair pra mar,

Vou trabalhar, meu bem querer,

Se Deus quiser quando eu voltar do mar,

Um peixe bom eu vou trazer

Meus companheiros também vão voltar,

E a Deus do céu vamos agradecer.

 

Quando estive com ela na sala de aula no Projeto Miúdos da Ladeira, no Pelourinho (Salvador, Bahia), em 2007, ouvi pela primeira vez a professora cantando com seus meninos, quase todos pretos. Cantei junto. Os nossos olhos brilhavam, estávamos no banco da sala de aula de uma professora maravilhosa. Quer coisa melhor nessa vida? A partir daquele momento sempre achei que fosse necessário cantar ou dizer um verso ao abrir as aulas com meus alunos, o que infelizmente nem sempre fiz. Mas sempre é tempo aprender, de tentar mais uma vez, pois os portais da sabedoria e do conhecimento estão sempre abertos. Fato é que o prumo que a voz dela cantando a canção de Caymmi deu à minha alma nunca mais deixou de me guiar. Ela é como um farol. FAROL (Caramurê, 2019. https://caramure.com.br/produtos/farol/) – é justamente esse o título do livro que ela escreveu em homenagem aos educadores.

Dona Mabel sempre que pode diz, e isso está lindamente registrado no filme documentário MABEL, de Margarida Mamede (2014): “[…] Se eu voltasse a estudar, ia estudar novamente para ser Professora e não faria curso de especialização, pós-graduação, nada disso. Eu queria ensinar a ler. (…) Ler e escrever”. Quando a gente aprende a ler tudo muda, e isso inclui o mundo, e as representações do mundo, as artes.

E foi assim que chegamos até aqui, até a Escola Livre de Artes, que como Dona Mabel quer ensinar o menino e a menina que moram dentro da gente a “ler” e a “escrever” vivenciando experiências na arte. Queremos andar juntes pelas praias catando as conchinhas que porventura tenhamos deixado esquecidas pelo caminho, pela pressa de nos tornarmos adultos… E depois devolvê-las ao grande mar, espalhando o respeito e o amor pelos seres humanos, pela natureza e pelos animais. Por essa razão escolhemos a imagem do barco para representar as temporadas de cursos de nossa Escola Livre de Artes, que navega no informar, levando professores e os aprendizes a novas paisagens a cada viagem.

Nas viagens que fazemos ao longo da vida as melhores coisas não são coisas, e isso é tudo o que importa, o trazemos à alma.

“Navegar é preciso, viver não é preciso” disseram Camões e Pessoa, e Caetano cantou. E por isso mesmo é sempre bom termos à mão uma bússola e um Farol para enfrentarmos a noite, na certeza de que o Sol não tardará a nascer outra vez no horizonte, para alegria de todes.

 

Érika Bodstein.

Agosto, 2021.